segunda-feira, 3 de maio de 2010

Para os defensores do brasileirão com mata-mata

Como todos sabem, sou defensor da morte dos estaduais e do campeonato brasileiro de pontos corridos, mas acho bem interessante que todos leiam esse post que o Flavinho Gomes colocou hoje no seu blog.

O JOGO DE BOLA

SÃO PAULO (falei e pronto) – Quero ter o direito de dizer que na semana que vem começa o campeonato de futebol mais chato do universo. O Brasileirão de oito intermináveis meses, arrastados e aborrecidos, que fazem a alegria e o júbilo da nova geração de comentaristas esportivos, muitos meus amigos do peito e a quem respeito acima de qualquer coisa, mas que estão se transformando nuns chatos de galocha, como o futebol brasileiro. Um porre inominável.

Ainda bem que ainda existem os Estaduais. E os mata-mata. Mata-matas? Matas-matas? Matas-mata? Sei lá. Só sei que futebol precisa de decisão. Precisa de jogos como o do Santos, ontem. Precisa de grandes vices. Precisa das histórias dos vencedores e, principalmente, dos perdedores.

O Brasil entrou na era dos pontos corridos em 2003. E daí? Alguém lembra algum grande vice desde 2003? Ninguém. Os pontos corridos não têm vice. Não têm histórias dramáticas, humanas, jogadores chorando no gramado, ajoelhados. Alguém vai esquecer do Santo André? Ninguém. Alguém vai esquecer da Lusa em 1996? Não. E da Ponte em 1977? Também não. Do Londrina em 1978 no Mineirão, lembram? Eu lembro. E quem foi mesmo o vice do Cruzeiro em 2003? E do São Paulo em 2007?

Os defensores dessa fórmula papai-e-mamãe alegam que o futebol precisa de planejamento, profissionalismo, que os times têm de saber quantos jogos vão fazer, até quando vão pagar salários. Pergunto: qual clube brasileiro se tornou hiperprofissional e megaorganizado desde 2003? Nenhum. Continuam todos numa merda federal, bagunçados, caóticos, erráticos. Os jogadores brasileiros continuam sendo vendidos como alfafa para a Croácia e o Quirguistão. Os que voltam estão ou em fim de carreira, ou com prazo estipulado para ir embora de novo. É conversa, esse negócio de que pontos corridos ajudam os clubes a se tornarem mais sustentáveis e eficientes. Continua tudo como sempre foi.

Esse tipo de campeonato mata o que de melhor o futebol tem. A chance da surpresa, do imprevisível. Campeonatos de 38 rodadas, em que no final leva quem marcou mais pontos, não dão chance ao imponderável, que é a única coisa que diferencia o futebol de outros esportes. É o único em que o pior tem chance de ganhar do melhor. É a metáfora da vida, o que os pontos corridos anulam. Atiram o futebol na vala comum daquilo que é cartesiano, corporativo, mercantil.

Quem é que lembra de todos os jogos que decidiram os Brasileiros de 2003 para cá? Aqueles em que o campeão fechou a disputa? Alguns lembrarão, certamente. Mas a maioria não faz nem ideia. O São Paulo, por exemplo, se bem me lembro, tornou-se campeão um dia jogando em Brasília. Tem coisa mais sem graça? Não tinha nem taça para levantar. Pontos corridos são como um casamento modorrento. Você trepa, mas não goza.

Mata-mata, não. Todo mundo tem chance, todo mundo se dá o direito de sonhar em chegar a uma final, de derrotar o grandão, de se superar. A gente consegue se superar em dois, quatro jogos. Em 38, não. Ninguém consegue. O mais forte te trucida, a vitória fugaz, que é sempre a melhor, inexiste. E estamos acostumando o torcedor brasileiro a se contentar com as migalhas do casamento modorrento, uma vaga na Libertadores, um terceiro ou quarto lugar, bela merda. O futebol virou um palco elitista e aborrecido. Ah, o Brasileiro é o único que começa com 10 ou 12 favoritos, alguém dirá. Falácia. A partir da metade, tem dois ou três. Torcedor não é burro, depois de meia-dúzia de rodadas já sabe que seu time não vai a lugar nenhum nesse funil de um só.

Na época das chaves, grupos, classificações e repescagens, todos sonhavam. Todos tinham chances. Todos acreditavam até o fim. O impacto da eliminação era um orgasmo ao contrário. A senha para começar de novo. Hoje, mais da metade dos times diz adeus a tudo na metade da temporada. Se conforma em não cair. Assume a mediocridade, a vida besta, deixa o tempo passar. Tiraram o direito de cada um sonhar muito cedo. É uma violência.

O curioso é que essa nova geração de analistas de futebol, vejam como é contraditório o mundo, consideram a Libertadores, a Champions League e a Copa do Mundo o auge do futebol. O olimpo, os torneios com que todos sonham. E são todos mata-mata… Mata-matas, sei lá. Então, para quê ficar oito meses no purgatório, se se pode viver às portas do paraíso o tempo todo, mesmo sabendo que não passa todo mundo pela entrada?

O problema é que o mata-mata turva a visão matemática que muita gente quer dar ao futebol. Torna o exercício das previsões nebuloso, porque é difícil prever qualquer coisa quando se tem de acrescentar à lógica o que é ilógico. Como uma expulsão prematura, uma contusão, uma conbinação maluca de resultados, uma zebra estonteante. É fácil fazer previsões para campeonatos de 38 rodadas. É como marcar os favoritos de uma maratona. Meia-dúzia, porque a maioria morre pelo meio do caminho, quando já não há mais um prato de comida à vista.

Pontos corridos fazem justiça ao melhor, argumentarão, e devolvo uma banana a todos. Onde está escrito que futebol é tribunal? Nas tábuas de Moisés? Nas escrituras sagradas? Futebol perde a graça quando se sujeita à justiça. O melhor do jogo da bola é a injustiça. É chegar ao orgasmo na arquibancada, aos 44 do segundo tempo, com a bola na trave, cruel, que quase despedaça uma conquista, que coloca um ponto final a uma epopeia. É preciso o embate final, a provação, a chegada a Santiago de Compostela. O caminho, por si só, é árido e enfadonho.

Futebol é o que se viu ontem no Pacaembu. E no Olímpico, no Mineirão, nos Aflitos (tem a volta), em Barcelona na semana passada, o que se verá em Madri no dia 22. Das decisões a gente lembra. De como acordou, onde viu o jogo, como sofreu, como chorou, a que horas foi dormir. Nunca vou esquecer Santos x Santo André, como nunca vou esquecer de Brasil x Itália, ou de Portuguesa x Rio Preto, ou de Corinthians x Ponte Preta, ou de Palmeiras x Inter de Limeira.

Os pontos corridos são um capricho para os estatísticos, para os que gostam de um mundo ordenado e exato, aqueles que não compreendem que a vida é um caos, não tem ordem nenhuma, viver não é preciso, futebol também não, se é que me entendem.

Flávio Gomes 03/05/2010 - 15:43 - http://colunistas.ig.com.br/flaviogomes/

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