sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O que falta é paixão

Tudo que se ventilou durante a quinta-feira acabou confirmado de na madrugada de sexta. Com aquela cara de “oh, como sofremos ao tomar essas decisões”, o presidente da Honda anunciou que a empresa está mesmo fora da F-1.

Bem, quem sou eu para questionar decisões de empresas? Cada um sabe onde dói o calo, como se diz. Mas está na cara que o desfecho dessa história apenas reforça as teses de Max Mosley. Fábricas de carros não estão nem aí para as corridas. Elas são apenas um luxo a mais para satisfazer egos, como patrocinar uma competição de pólo que ninguém vê ou montar um stand opulento no Salão do Automóvel para servir uísque caro e mostrar mulheres gostosas.

Não há comprometimento nenhum, porque essas companhias, hoje, não têm propriamente uma direção “humana” — um presidente/dono apaixonado por competições, uma trajetória, uma história nas pistas. Elas têm conselhos de administração, acionistas e executivos engravatados indicados por head-hunters, gente que nunca entrou numa fábrica ou acelerou um carro. Não há paixão por nada. Se Soichiro Honda (o presidente da época de Senna) fosse vivo, talvez essa deserção ridícula não acontecesse. Ele gostava de F-1, gostava de competir.

Digo que a deserção é ridícula porque se é verdade que os custos de uma temporada são altos, também é verdade que pouco representam no faturamento global de uma montadora de porte — tanto que a Honda abriu mão de patrocínios nos últimos dois anos.

O fim da equipe significa o desemprego de quase mil pessoas. Na prática, é disso que se trata: demitir. As grandes montadoras encheram os bolsos nos últimos anos, vendendo carros que nem água. Não sei se aumentaram os salários de seus operários por isso. Acho que não. Mas os bônus de seus executivos… Ah, esses devem ter sido generosos. Aí vem a crise. E ao primeiro sinal de dificuldades, o que se faz? Demite-se. Uma selvageria.

É a maior crise enfrentada pela F-1 nos últimos anos. Mas sempre tem como começar de novo. É o que a categoria precisa fazer, se quiser sobreviver. Porque começar a temporada com 18 carrinhos vai ser patético. Autódromos monstruosos, reluzentes e luxuosíssimos, sem carros para correr neles…

A F-1 perdeu o freio do desenvolvimento ilimitado quando o dinheiro começou a jorrar sem controle, na euforia da grana fácil e farta. Sem exagero algum, o valor do atual motorhome da McLaren é mais ou menos o orçamento inteiro de um time médio de 20 anos atrás.

Tamanhas exigências de verbas afastaram da competição os… competidores! E entraram as corporações. Não se faz um campeonato de futebol apenas com estádios. Não se faz um campeonato de corridas apenas com autódromos. São necessários times, jogadores, equipes, pilotos. O erro básico dessa F-1 perdulária foi esse: dar atenção ao supérfluo (autódromos mirabolantes, motorhomes high-tech, jantares faraônicos, apresentações, festas, uniformes, camarotes, paddock-clubs, VIPs, catracas eletrônicas, pulseirinhas) e esquecer o essencial (carros, mecânicos, equipes, torcedores, paixão por corridas).

A F-1, como o mundo em geral, ficou babaca. É algo que alguém como eu, que passou 18 anos viajando atrás de cada GP, começou a perceber já no fim da década de 90: uma diferença radical no comportamento de todos, no relacionamento com as equipes, na montagem do esquemão de coletivas, nos almoços “só para convidados”, nos acessos cada vez mais restritos aos personagens que fazem o espetáculo. Ficaram todos babacas, viraram todos funcionários de grandes empresas, participantes do big business, e foram embora aqueles que, de fato, amavam o automobilismo — os últimos a deixar o barco foram Eddie Jordan e Paul Stoddart.

E como recomeçar? Trazendo de volta à vida as equipes de verdade. Algumas delas, hoje, existem na GP2, por exemplo. Criando um regulamento que reduza o abismo entre corporações milionárias e times montados na garagem. Limitando o orçamento (olha o Max Mosley aí de novo), cortando as frescuras, correndo mais na Europa, em autódromos mais simples e próximos, deixando de lado essa palhaçada de correr em oásis deprimentes como Abu Dhabi, Bahrein e Cingapura, tentando reencontrar algo fundamental para que esse negócio continue a existir: paixão e simplicidade.

Parece ridículo falar em paixão e simplicidade nestes tempos de commodities e derivativos, mas há certas coisas que só os apaixonados conseguem fazer. E se eles estão recolhidos, amuados, vivendo de lembranças, as coisas não acontecem. Simples assim.

Coluna Warm Up - Flavio Gomes - 05/12/2008

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